O circo é um espetáculo de cores, performances e mágica que desafia a realidade e o senso comum, mas o mangá que eu escolhi para o Dia do Yaoi vai além das cortinas do picadeiro e mostra um mundo escondido e decadente girando ao redor de feridas ainda abertas.
Coponicus no Koukyuu, que pode ser traduzido como a Respiração de Copérnico, infelizmente só tem dois volumes (e os scans americanos encontram-se no antipenúltimo capítulo do mangá) e é mais uma obra intrigante da Nakamura Asumiko. Virou um de meus favoritos junto com Anata no Tame Nara Doko Made Mo e Sora to Hara.
A história começa num circo na frança dos anos 70 e acompanhamos a vida de um palhaço chamado ‘Bird’s Nest’ (ninho de pássaro em inglês) por causa de seu cabelo escuro e cacheado e sua vida dura junto com outros da trupe.
Além das apresentações, o dono do circo também trabalha como cafetão nas horas vagas e “aluga” seus artistas para os maiores “colaboradores” e ainda controla ao máximo as despesas de todos os integrantes. O protagonista não costuma ser “vendido”, até porque é apenas um palhaço, mas é o brinquedo favorito do chefe e acaba dormindo com ele várias e várias vezes.
Como se já não fosse suficiente, ele ainda é assombrado pelo seu irmão morto que tece comentários, questiona a vida que leva e parece estar lá só para lembrar o jovem de tudo que ele já fez de errado.
O único sopro de luz em sua vida é a presença do novo malabarista, Leo, contratado com quem troca algumas poucas palavras diariamente.
No entanto, as coisas se alteram com o surgimento de um diplomata japonês que adquire um interesse no ninho de pássaro e passa a “compra-lo”. Mas invés de sexo, o senhor parece mais interessado em ouvir sobre a história de vida do garoto, abrindo espaço para que o leitor conheça mais o personagem principal.
E isso tudo são só os dois primeiros capítulos. Contar mais do que isso seria estragar as reviravoltas de Coponicus.
O ponto alto da Nakamura Asumiko que mais me chama atenção para qualquer história dela são seus personagens. Eles sempre conseguem ser únicos e com personalidades singulares que os torna difíceis de esquecer e nesse mangá não foi diferente. A imperfeição de cada um dos personagens e suas atitudes cruéis não vai muito além de um grito de desespero daqueles que não veem uma saída do fundo do poço. E isso é maravilhoso de se ver.
A arte da Nakamura também está lá como marca registrada. Pode parecer estranho para quem nunca entrou em contato com ela antes, mas é de uma beleza e delicadeza expecionais e completamente diferente do que costumamos ver num mangá BL.
Se a leitora dessa resenha é do tipo que não gosta de tramas angustiantes, esse mangá com certeza não é para você. Prostituição, abuso sexual, pedofilia, incesto e drogas são alguns dos assuntos abordados pela obra. Tanto o Ninho de Pássaro quanto os outros personagens estão longe de serem santos, eles cometem muitos, mas muitos erros e acredito que varia para cada leitor a reação a Coponicus no Kokyuu.
Enfim, esse mangá não era o que inicialmente eu tinha planejado para fazer a resenha para o Dia do Yaoi, mas e daí? Achei uma pérola negra linda e que merece ser lida várias e várias vezes.
Termino o texto com o poema em inglês de Michel, o falecido irmão do Ninho de Pássaro, que homenageia (?) Copérnico – o cientista que defendeu a teoria heliocêntrica, ou seja, a de que a Terra girava em torno do sol – e joga uma pequena dica sobre o passado do protagonista.
Copernicus breathes
Copérnico respira
The brave fool who advanced the movement of the Earth
O bravo tolo que avançou o movimento da Terra
Developed a magnificent idea, was regard as insane, and then died
Desenvolveu uma ideia magnífica, foi tido como louco, e então morreu
Copernicus breathes
Copérnico respira
The rhythm of Copernicus’ breath
O ritmo da respiração de Copérnico
Turns the worm-eaten tent into a starlit sky
Transforma a tenda comida por vermes num céu estrelado
Eventually, I break off from the swing, and become a constellation
Eventualmente, eu me liberto do balanço e me torno uma constelação
I become Copernicus’ constellation.
Eu me torno a constelação de Copérnico.
É por isso que adoro Nakamura. Ela geralmente traz essa guerra psicológica dos seus personagens e sai do lugar comum dos mangás yaoi. Eu gosto muito desse mangá, sem falar da beleza de seus desenhos. Será que Takeo encontrará a paz e a felicidade? 🙂
Pachi, gostei do seu post, parabéns. 🙂