Doujinshi (atualizado)
Doujinshi (同人誌), frequentemente abreviado como dj, é o nome que se dá às publicações independentes japonesas, geralmente mangás ou novels, impressas ou digitais.
Doujinshi é uma subcategoria de doujin (同人 que significa “mesma pessoa”, isto é, pessoas com quem alguém compartilha interesses em comum), que engloba todo o tipo de produção de mídia independente e/ou amadora, como animes, games, figures (garage kits), goodies e até música.
O termo é a junção de doujin + shi (誌 uma contração de zasshi, que significa “revista”, “períodico”).
Quem faz doujinshi é conhecido como doujinshika ou doujinka. Grupos de doujinkas formam um “círculo” – circle (サークル, sākuru). Pode parecer um contrassenso, mas nada impede que um círculo seja formado por um único indivíduo, constituindo assim um kojin sākuru (個人サークル, círculo pessoal).
No ocidente temos a palavra “Fanzine”(contração de fan + Magazine – fã + revista) que tem uma aplicação muito parecida e pode ser considerada um equivalente. Mas enquanto o que nos vem à cabeça ao pensar em fanzines é uma publicação impressa de modo mais caseiro e improvisado, os doujinshis japoneses podem ser bem sofisticados, sendo que a qualidade de papel, impressão e encadernação de muitos deles fariam inveja às nossas revistas comerciais. Isso se deve ao fato de que no Japão o doujinshi é tão difundido que existem gráficas que oferecem esse serviço especializado a preços acessíveis.
Assim como no cenário de fanzines, os doujinshis são principalmente produzidos por artistas amadores, mas também há inúmeros artistas profissionais que fazem doujinshi por hobby ou como um modo de publicar material fora da indústria regular.
Em geral o doujinshi é mais associado a material derivativo, do tipo “fanfic” ou paródia ( niji sousaku ) e erotismo/pornografia, mas há também doujinshis 100% originais ( ichiji sousaku ) dos mais diversos gêneros.
A zona cinza dos doujinshis
Como os doujinshis derivativos são comercializados em eventos e até mesmo em lojas, muitos se perguntam como é possível isso acontecer sem que os doujinkas sejam perseguidos por editoras e empresas o tempo todo.
E, de fato, esse é um fenômeno curioso, até porque os doujinshis derivativos teoricamente violam as leis de direitos autorais. Acontece que no Japão esse tipo de publicação acaba ficando em uma espécie de zona cinza de legalidade. No país, um doujinka só pode ser processado pelo detentor original dos direitos violados – e isso não acontece com muita frequência por diversos motivos.
Por se tratarem de paródias e não plágio ou pirataria, por serem vendidos geralmente em quantidades limitadas e somente em certas ocasiões, parece que há um entendimento de que os doujinshis derivativos não afetam os lucros dos criadores originais porque nem sequer competem com eles no mesmo mercado.
Os números parecem comprovar essa ideia: a maioria dos artistas de doujinshi não vende muitas cópias e não se sustenta com as vendas de suas publicações, como mostra essa pesquisa de 2016 (que entrevistou 4000 doujinkas):
Quantas cópias de doujinshi você vende em um evento?
- 2% disseram que vendem 1000 ou mais cópias
- 3% disseram que vendem 500-1000 cópias
- 47% disseram que vendem menos que 30 cópias
Quem é o artista de doujinshi?
- 40% são estudantes
- 21% têm um emprego em tempo integral
- 21% têm um emprego de meio período
Por que artistas de doujinshi fazem doujinshi?
- 4% se sustentam com a venda de doujinshi
- 22% fazem para aliviar o estresse
- 10% fazem porque desejam se tornar profissionais
Podemos dizer que a indústria do mangá também faz “vista grossa” para os doujinshis porque se beneficia e está intimamente conectada à cultura dos doujinshis.
Afinal, os doujinshis podem alavancar a popularidade de uma série de mangá, o que é basicamente propaganda gratuita, alimentam e movimentam o “ecossistema” do fandom. Neste sentido, é fácil perceber como seria contraproducente perseguir a sua própria fanbase consumidora e projetar uma imagem negativa e mesquinha.
Além de tudo isso, os doujinshis têm uma função ainda mais importante para a indústria: eles servem como prática para os aspirantes e, principalmente, como vitrine para olheiros recrutarem novos talentos.
Um celeiro de Boy’s Love
Na indústria do mangá não é raro que um artista comece sua carreira como doujinka. O exemplo mais célebre é o do grupo CLAMP, que desenhava doujinshis sobre os mais diversos ships BL/yaoi nos anos 80, desde Cavaleiros do Zodíaco, passando por Devilman até Jojo’s Bizarre Adventures!
Por motivos óbvios, os doujinshis são um verdadeiro celeiro de mangakás BL. E muitos desses artistas não só desenhavam doujinshis quando eram aspirantes a mangaká, como também ainda produzem fanwork de seus ships favoritos até hoje, usando pseudônimos (que não enganam ninguém)!
Podemos citar Yamane Ayano (Viewfinder), que dedicava o seu tempo a desenhar doujinshis BL de Slam Dunk, Eiki Eiki e Taishi Zaou (Love Stage), que já publicaram doujinshis sobre Full Metal Alchemist, Death Note, Dragon Ball, Katekyo Hitman Reborn e Yu Yu Hakusho e mesmo Kizu Natsuki, a autora de Given, é uma doujinka prolífera que já fez fanworks BL sobre Kuroko no Basketball e Haikyuu!.
A lista é basicamente infinita e é bem provável que seu mangaká BL favorito já tenha se envolvido com doujinshis em algum momento!
Também vale citar que não é só de doujinshi derivativo que vivem os artistas BL. Alguns mangakás até mesmo escrevem doujinshis sobre seus próprios personagens originais em spin-offs, tirinhas de humor ou em situações que jamais seriam aceitas por seus editores nas revistas comerciais! Vide a autora Fumi Yoshinaga que desenhou o “elenco” de Antique Bakery em momentos quentes e Maki Murakami de Gravitation que é famosa por seus doujinshis 18+ totalmente sem freios.
Um pouco de história
A história do doujinshi remonta a era Meiji (1874), quando autores de romances, haikai e tanka passaram a autopublicar suas obras originais em formato de revista. No período seguinte, na era Showa, o doujinshi se tornou porta-voz da vanguarda e da juventude criativa e berço de muitos escritores e escolas literárias.
Nos anos que seguiram o pós guerra houve o declínio deste tipo de publicação, que deu lugar às revistas literárias comerciais. Parecia que até que os doujinshis não teriam mais o mesmo espaço de destaque, mas nos anos 70 eles voltariam com força total devido ao boom do mangá e anime e o acesso às máquinas de fotocópia (xerox).
Essa “renascença” dos doujinshis se deve em grande parte também à criação da Comiket, na época uma pequena feira de publicações independentes voltada para os fãs mangá e que hoje a maior feira desse tipo do mundo, reunindo mais de 700 mil pessoas nas suas edições mais recentes.
Os idealizadores da feira desejavam construir um espaço de livre expressão e experimentação onde todos poderiam compartilhar os seus trabalhos e interesses sem as amarras editoriais da indústria e “caretices” em geral. Esse grupo era fã de autoras revolucionárias do Grupo de 24 como Hagio Moto e Keiko Takemiya (as pioneiras do BL) e foi dentro da Comiket que o BL/yaoi encontrou um espaço rico e acolhedor para crescer e se desenvolver. Inclusive o termo “yaoi” surgiu por lá.
Em 1978, a revista JUNE foi fundada e apesar de ter Keiko Takemiya como uma das principais autoras, boa parte das outras obras publicadas por lá eram amadoras e “doujinshi”. A proposta da JUNE era ser uma revista mais underground, que publicava uma fusão de shoujo mangá e erótica para mulheres, algo bastante ousado para a época. A princípio a revista não era apenas focada em artigos LGBT+ e obras de romance entre homens, mas aos poucos esses temas foram tomando conta da publicação e a palavra JUNE se tornou uma espécie de sinônimo de BL.
Em paralelo, os doujinshis autopublicados continuaram com força total, e, na década de 80, Captain Tsubasa (Super Campeões) explodiu de popularidade inundando a Comiket com a primeira grande onda de doujinshis derivativos yaoi/BL.
A partir daí os doujinshis yaoi/BL derivados de obras shounen (para rapazes) não pararam mais e com certeza levaram um grande contingente de fujoshis a consumir esse tipo de mangá nos anos 80, 90 e 2000, mesmo que não tenha sido a intenção dos editores em apelar para as audiências femininas.
Segundo a própria Shounen Jump, Ring ni Kakero e claro, Captain Tsubasa foram os primeiros a conquistar os corações do público feminino. Então, Saint Seiya, YuYu Hakusho, Hoshin Engi e Prince of Tennis deram continuidade a essa tendência nos anos 80, 90 e 2000. A tendência observada pela Jump se repete no número de doujinshis dedicados a essas obras na Comiket, revelando a óbvia conexão.
Em 2012 cerca de 50% dos leitores da Jump eram mulheres e nesse ponto os editores já estavam conscientes de que muitas delas eram fujoshi e dos títulos que atraíam esse tipo de atenção (caras bonitos e relações complexas) e acho bem provável que parte dos fanservices presentes na revista nos últimos anos são totalmente intencionais.
Como vimos, o doujinshi foi peça chave no desenvolvimento do BL como conhecemos hoje e é parte integrante e indissolúvel da cultura otaku e fujoshi.
Antes da pandemia estimava-se que no Japão aconteciam cerca de mil eventos com venda de doujinshi por ano, contando com eventos de anime e mangá de forma geral e de nicho. Algumas feiras de doujinshi são focadas em obras derivativas como a Super Comic City e a SPARK, outras permitem apenas originais, como a J-Garden e a Comitia.
Além dos eventos, há lojas especializadas em doujinshi como a Toranoana e a Mandarake (que tem catálogo digital e aceitam pedidos internacionais), onde é possível comprar esse tipo de publicação o ano inteiro!
Atualmente, com o distanciamento social e o avanço das mídias digitais, a possibilidade de publicação para novos autores em plataformas como a Pixiv, é possível que os doujinshis passem por uma nova transformação radical e ganhem novas audiências nos próximos anos.
Saiba Mais:
- Comiket ( Comic Market ) – atualizado
- As influências que os mangás shounen tiveram sobre BL e vice-versa
- O maravilhoso grupo do Ano 24 – 24-nen Gumi (atualizado)
Fontes:
- Wikipedia
- What is Doujinshi? – Futekiya -Fupedia
- Vamos falar de doujinshis – Gyabbo
- Japan’s Culture of creativity through theft – Tofugu
- 発行部数300万部の「週刊少年ジャンプ」を支える熱い女子
- What is the Comic Market?
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