Boy Meets Maria
Boy Meets Maria é um mangá Boys Love de autoria de Peyo. Foi publicado na revista Canna e foi compilado em um volume único em 2018.
No mangá, conhecemos Taiga, um estudante que acaba de ingressar no ensino médio. Fascinado por heróis e ficção desde criança, Taiga chama a atenção desde sua apresentação por declarar que quer se tornar um grande ator já que sua nova escola possui um clube de teatro bem rígido. Com a ideia de que heróis são aqueles que protegem as mulheres, Taiga acaba se apaixonando à primeira vista por Maria, a jovem novata promissora do clube de teatro. Ao se declarar para ela sem muita explicação, Taiga descobre que Maria, na verdade, é um homem de nome Arima Yuu, com feições delicadas o suficiente para interpretar papeis femininos. No primeiro momento, Taiga fica em negação total sobre isso. Mas Arima briga com Taiga e não apenas prova que é homem, como também critica o modo simplista de Taiga de ver o mundo, afirmando que dessa forma Taiga nunca seria mais do que um ator medíocre.
Atenção: A partir daqui teremos spoilers sobre o mangá.
Com uma premissa bem simples sobre o encontro de duas pessoas com personalidades diferentes, claramente pensado pela autora ao escolher o nome, Boy Meets Maria nos coloca de frente com a realidade de dois estudantes com passados bem diferentes, mas que tiveram de lidar com decepção e dor desde cedo. Taiga, o protagonista idealista ao ponto de ser irritante, mostra-se tolerante e otimista em relação as diferenças dos outros mesmo que de uma forma que possa irritar as pessoas mais céticas e endurecidas pelas dificuldades da vida. Ao notar que ainda gostava de Arima mesmo ao descobrir que ele era homem, Taiga acaba aceitando de forma positiva a possibilidade de poder gostar não só de mulheres. Sendo colocado de frente a suas falhas por querer se aproximar de Arima, uma pessoa cheia de barreiras, e tendo o provocado mesmo que de forma inconsciente, Taiga precisa rever uma série de coisas que ele tinha internalizado por trauma da situação de sua família enquanto criança. Determinado a se tornar um ator melhor, Taiga decide então melhorar como pessoa, não apenas pelo seu sonho de encantar pessoas com a atuação, mas também para conquistar Arima.
Arima, por sua vez, sofre tendo que lidar com uma pessoa como Taiga. Cercado por inúmeras barreiras que colocou desde que passou por situações traumáticas quando mais jovem, Arima se considera uma pessoa incompleta. Sua relação atribulada com seu gênero de nascimento e o gênero imposto pela sua mãe, o modo como as pessoas veem sua aparência e os boatos que o cercam ao redor, o tornam um adolescente isolado dos outros, que tem de se cercar de barreiras com medo de sofrer.
Curiosamente, mesmo colocados como opostos em personalidade, Taiga e Arima também são parecidos no aspecto em que a personalidade que vemos deles no momento do mangá, durante o ensino médio, é resultado do cotidiano de anos se escondendo através de práticas para evitar se machucar novamente do modo como foram machucados na infância. Seres humanos são seres sociais, com parte de sua personalidade construída a partir dos acontecimentos de sua vida e daqueles com quem eles têm contato. É possível ver isso na personalidade dos dois protagonistas, com cada um tendo tipos de “máscaras” diferentes que construíram. Contudo, para conseguir se conectar com outras pessoas a nível mais profundo, as vezes é preciso se livrar das máscaras e isso é um processo bastante difícil de se navegar. Os protagonistas, mesmo que de forma desajeitada, decidem que querem se tornar mais próximos e ver a evolução do relacionamento deles é algo doloroso e adorável ao mesmo tempo.
Meu maior problema com o mangá seria o fato de o pai de Taiga ter sido quem salvou Arima da tentativa de estupro quando criança. O mangá meio que vende isso como sendo o porquê de Arima ter se apegado a Taiga em primeiro lugar e o porquê do pai dele ter estado ausente no hospital, mas eu achei algo desnecessário. Não precisava essa conexão ter sido estabelecida entre eles quando o mangá passou diversos capítulos nos apresentando a relação entre os dois meninos.
Além disso, talvez por ser pensado como oneshot, a história fica corrida em alguns momentos. Eu queria ver mais do relacionamento deles enquanto Arima ajuda Taiga a se tornar um ator melhor. Eu gosto do relacionamento dos dois com apenas esse volume, mas são diversas coisas que eu sinto que poderia ter sido melhor trabalhada caso tivesse uns dois ou três capítulos a mais.
Uma obra muito popular, Boy Meets Maria foi publicada no Brasil em 2022 pela NewPOP. A edição brasileira está muito bonita, com um formato bem agradável pela leitura. Apesar dos problemas comuns da NewPOP com revisão, no caso desse mangá eu não encontrei erros de revisão gritantes. O texto em japonês do original as vezes depende do fato do Arima usar pronomes masculinos apesar de parecer uma garota à primeira vista. Nesse caso, a tradução fez um trabalho bacana colocando isso em português.
Contudo, meu problema é com as escolhas de tradução em relação a termos do mangá. Como um mangá que lida com questões de identidade de gênero, Boy Meets Maria possui uma série de termos específicos para se referir a Arima, como 女装 (josou) e オカマ (okama). No caso de josou, é apenas o termo utilizado para referir-se ao ato de um homem vestir-se de mulher, o famoso crossdressing. Não é uma palavra que denota especificamente conotação de sexualidade e identidade de gênero, por isso, eu me questiono o porquê da tradução da NewPOP ter utilizado termos como “travesti” e “travecão” como equivalente dessas. A meu ver, o uso dessas palavras demonstra certa falta de conhecimento ou revisão por parte da editora em relação a identidade travesti, que é uma identidade feminina específica da América Latina. Por isso, além de não servir exatamente como tradução, também se torna ainda mais questionável o fato de a tradução ter colocado “um travesti” como tradução para 女装 (josou). Infelizmente não é a primeira vez que algo assim acontece em uma edição de mangá BL da NewPOP e é meio deprimente ver uma editora que tanto se orgulha de ter um selo direcionado a histórias LGBT não ter maior cuidado com esse tipo de questão.
O mangá é uma recomendação certeira para quem gosta de BL. Infelizmente a autora nos deixou em 2020 e não teremos outra oportunidade de ler outras obras dela. Boy Meets Maria é um tesouro que ela nos deixou.
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