Resenha Rapidinha: Príncipe Cativo
Depois de muito tempo torcendo o nariz para essa série de livros, resolvi dar uma chance a ela quando notei que o primeiro volume estava de graça no Kindle Unlimited – e eu não tinha nada a perder além do meu tempo.
Mas vocês vão entender minha hesitação: para começar, a trilogia Príncipe Cativo tem uma apresentação muito estranha. As ilustrações das capas dos livros parecem saídas de uma fantasia medieval bem genérica, e as sinopses, igualmente genéricas, não deixam claro que se trata de uma história gay – fazendo com que vários desavisados que procuravam por uma trama de aventura deixassem avaliações negativas.
Como eu não sou uma desavisada, relutei a ler pelo motivo oposto: a sinopse para olhos treinados grita “FANFICÃO YAOI COM SLAVE FETISH (fetiche de escravidão)”. Enfim, imaginei que era um daqueles livros que são só uma coletânea de cenas de sexo costuradas por desculpas esfarrapadas (o que não é nada mau se é isso o que você quer ler no momento).
Para minha surpresa, Príncipe Cativo não se trata nem de uma coisa nem de outra, como falarei a seguir.
Essa resenha contém as linhas gerais da trama e, creio eu, nenhum spoiler maior.
A premissa
A história é contada pelo ponto de vista do príncipe Damianos do reino de Akielos que, ao ser traído por seu meio-irmão, é dado de presente como escravo de prazer ao príncipe Laurent de Vere, a nação inimiga.
Damen, como passa a ser chamado, não pode revelar sua verdadeira identidade, fingindo submissão, enquanto tem que sobreviver em uma corte cheia de intrigas políticas e sexuais, tão convolutas quanto os laços de suas roupas.
Só que, por comparação, lidar com um ninho de cobras aparenta ser até mais tolerável e simples que ter que conviver com o austero, belo e cruel Laurent, o homem que se tornará o rei de Vere quando fizer 21 anos, substituindo seu tio, o Regente.
Primeiras impressões
O primeiro livro é o mais fraco da trilogia, apesar de não se apoiar nas cenas eróticas, tem ares de “fanficão” mesmo, com personagens que aparentam ser rasos e um tanto clichê: um protagonista (seme) honrado, bissexual (que prefere mulheres), forte e moreno, um outro loiro (uke), mais afeminado, frio e calculista.
E para quem quer saber, C.S. Pacat aborda temas “problemáticos” sim, aos montes. A mim esses temas não incomodam, além do “detalhe” de que eles são vitais para a construção do universo, não podendo ser suprimidos sem prejuízos à história. Ao que me parece, os BLs mais antigos foram uma grande influência para C.S. Pacat e o pessoal da velha guarda vai identificar no clima do Príncipe vários elementos em comum com essas obras.
De todo modo, está na minha obrigação avisar: não sou especialista em leitura sensível, me parece que certas passagens podem ser gatilhos para alguns, como a óbvia escravidão (o tema do livro), estupro, castigos corporais e mesmo menção à pedofilia. Eu diria que esses temas não são romantizados, mas gostaria que soubessem de antemão se quiserem conferir com seus próprios olhos.
Apesar dessas questões e da tradução – ou falhas de revisão do material original – que pecaram UM TANTO, me senti compelida a ler o segundo livro ao perceber nas entrelinhas um potencial de crescimento, já que Pacat joga algumas iscas que insinuam que há algo mais por trás e adiante desse cenário aparentemente clichê.
A minha opinião
Posso dizer que não me arrependi nem um pouco de ter dado uma chance ao Príncipe Cativo, porque a história, ao ser transportada para além das muralhas do castelo, subitamente se amplia e se transforma em uma aventura com direito a muita ação, traições, política, plot-twists e até uma campanha de guerra.
Há um tanto de deus ex-machina nas voltas que a história dá, mas achei que foram totalmente perdoáveis em nome da diversão que me proporcionaram e da vontade de ler mais e mais.
Os personagens, que são a parte mais apetitosa do livro, ao saírem do confinamento, ganham seu espaço para brilhar e jogar um adorável jogo de sedução e alfinetadas enquanto são obrigados a conviver lado a lado como homens. Aos poucos, passam a reconhecer um no outro um adversário digno e também um aliado digno. E, talvez, algo mais…
Devo confessar que essa dinâmica de “bicudos que se beijam” é um dos meus pontos fracos e quando estava nessas alturas da série, não consegui mais largar até a última frase. Eu precisava saber o que aconteceria a Damen e, especialmente, a Laurent.
C.S. Pacat mostra muita engenhosidade na construção da trama, tanto que não entrega logo o ouro: alimenta a tensão sexual entre os personagens e os constrói com bastantes minúcias até que algo aconteça de verdade entre eles. E, devo dizer, que fiquei feliz com o modo com que ela expõe toda a complexa e rica personalidade de Laurent, e também o lado não tão solar e perfeitinho de Damen.
Não tenho certeza se Pacat foi mudando de ideia sobre a abordagem dos personagens e tópicos mais polêmicos/espinhosos enquanto escrevia e recebia feedbacks (O Príncipe Cativo começou como uma obra online no Livejournal), mas ao final de tudo, quando os mistérios são revelados e as pecinhas se encaixam, até mesmo aquele começo parece ganhar uma nova razão de ser. O livro ganha, como dizemos nos jogos, “replay value”, isto é, novos pontos de interesse numa possível releitura.
Eu diria que, como não esperava nada, os pontos positivos superaram em muito os negativos e senti que fui capturada por uma excitante e satisfatória jornada de dois homens pela libertação de seus grilhões físicos e mentais.
Sobre:
C.S. Pacat
Nasceu na Austrália e se define como genderqueer. Viveu em diversas cidades, como Tokyo e Perugia, atualmente reside em Melbourne. Além do bestseller Príncipe Cativo, escreveu também o quadrinho de esporte inspirado em animes Fence.
Sua nova trilogia young adult, Dark Rises, será lançada em 2021.
Site oficial (em inglês)
Príncipe Cativo
Trata-se do primeiro romance de C.S. Pacat e começou a ser postado online e gratuitamente em um grupo do Livejournal em 2008. Em 2015, foi publicado pela editora Penguin Berkley.
A trilogia foi traduzida em inglês, português, francês, alemão, italiano, japonês, polonês, espanhol e tailandês. No Japão, transformou-se em uma light novel ricamente ilustrada por Chinatsu Kurahana (character designer de Samurai Flamenco e Uta no Prince Sama).
Comprar:
Príncipe Cativo: O Escravo
Príncipe Cativo: O Guerreiro
Príncipe Cativo: O Rei
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2 Comentários
[…] autora da história, C.S. Pacat, também não me era estranha. Já ouvi falar do seu famoso Príncipe Cativo, livro que vivo falando “um dia eu leio” mas nunca leio de fato. Para fechar o trio […]
Ai Tanko, não sei se eu te amo ou te odeio. Brincadeiras à parte. (Na verdade eu te amo há muito tempo!) ^^
Essa sua resenha ‘tá perfeita!! Eu queria poder dizer algo mas você já disse tudo, e bem acertadamente. Rsrs. Eu não sei eu posso dizer que sou da ” velha guarda” mas com certeza não faço parte dessa nova geração… xD (ok, admito sou velha ;-;)
E é inegável a inspiração que a autora buscou nos BL’s da vida, creio que a maioria das fujoshis vão se identificar, mas ri das resenhas dos leitores que ficaram meio sem jeito/surpresos com a obra.
A história do livro soa muito como algo que eu escreveria [se eu fosse escritora, claro >__< mals)
Obrigada Tanko ^3^ / (mano, saudades de comentar aqui, 1 comentário há cada 10 anos xD ok parei)