Kinou Nani Tabeta? – volume 1
Está certo que eu prometo outras resenhas há algum tempo, mas espero que vocês possam me desculpar por ter escolhido fazer esta antes.
Quando li o mangá da premiada autora Fumi Yoshinaga Kinou Nani Tabeta? senti que tinha “descoberto” uma verdadeira pérola. Apesar de não ser propriamente BL (de novo, rsrs), acho que vocês podem gostar deste título.
Dito isto, vamos aos detalhes. “Kinou Nani Tabeta” (きのう何食べた?- What did you eat yesterday ?- “O que você comeu ontem?”) é uma série em andamento iniciada em 2007, que conta com 3 volumes publicados no Japão. O curioso sobre esta série é que trata-se de um seinen, isto é, um mangá para homens jovens e adultos, publicado na revista Morning.
O mangá conta a história do advogado Kakei Shiro, que vive com seu namorado, o cabeleireiro Yabuki Kenji e tem como hobby preparar jantares dignos de um gurmê para o casal. Enfim, é basicamente um mangá de culinária, uma espécie de guia de menu, receitas e economia doméstica. A cada capítulo, a história que se desenrola é contada através da preparação dos jantares.
Os episódios são curtos, temáticos e fechados, de modo que podem ser lidos separadamente.
O estilo de desenho limpo e a diagramação clara de Fumi Yoshinaga são extremamente agradáveis à vista e de leitura fácil. Já o passo-a-passo das receitas e os pratos finais são ilustrados e reticulados de forma mais realista, quase didática e… apetitosa. Sinto a minha boca encher de água só de olhar para as figurinhas em P&B mesmo.
Shirou é um homem metódico, que não resiste a uma boa promoção no supermercado e não tolera desperdícios, ensinando muitas vezes como conservar e aproveitar alimentos. Os menus de Shirou são extremamente sofisticados mas utilizam-se de ingredientes comuns e prosaicos para seu preparo. Comuns e prosaicos para o Japão, é claro, ou talvez para o Bairro da Liberdade no máximo.
Pessoalmente acho que a comida de um povo diz muito sobre ele. Está certo, não sou entendida no assunto e não sei detalhes sobre os significados de cada ingrediente. Mas qualquer um pode perceber por este mangá, se é que não notou ainda, que a culinária japonesa fala de pessoas meticulosas, preocupadas com o equilíbrio e o prazer das pequenas sutilezas. Cada detalhe e porção é estudada com cuidado.
E também podemos entender um pouco mais do personagem Shirou, um sujeito certinho e vaidoso, que surpreendentemente tem uma boa relação com o parceiro Kenji, um tipo oposto, despojado e mais emotivo. Acho que os opostos se atraem e no caso, se completam.
Outra coisa que chama a atenção neste mangá é que os personagens são realmente gays, afirmam-se como tal. São críveis e protagonizam momentos engraçados sem cair em nenhum estereótipo super caricato.
Embora o destaque seja para o preparo e a apreciação da comida, diversos temas do cotidiano de Shirou e Kenji apareçam nas páginas do mangá. A questão da homossexualidade está quase sempre presente e é abordada de forma leve, sutil e ao mesmo tempo bastante madura. Nas páginas de Kinou Nani Tabeta?, vemos alguns desafios dos gays que “saem do armário”, como lidam com seus pais que em teoria os aceitam mas que no fundo não os entendem, como mantém -ou não- a discrição no ambiente de trabalho, como lidam com a pressão social de ter uma namorada.
Ditos assim, são temas incômodos, mas Yoshinaga-sensei optou por não agredir o leitor e sim convidá-lo para uma reflexão divertida. (Posso até estar sensibilizada com a minha TPEmo, mas não tenho como não usar a palavra “brilhante” neste ponto. )
Eu ri muito com o episódio que tratou do trabalho do Kenji no salão de beleza e sua “habilidade especial” para lidar com os clientes difíceis. Mas o episódio de trabalho que mais me emocionou foi quando Shirou defendeu um cliente que sofria agressões físicas da própria esposa. Em uma tacada só tivemos uma discussão sobre violência doméstica e papéis de gênero. Afinal, o que é ser um homem de verdade? Genial. Fiquei muito surpresa em ver tais assuntos colocados desta forma em um mangá masculino.
Infelizmente para as pervas e pervos de plantão (grupo no qual eu me incluo), não há demonstrações físicas de afeto entre os protagonistas. Mas de qualquer modo um recorte BL em uma revista para rapazes que não é voltada especificamente para um público gay, já seria de ousadia impensável aqui no Brasil – mesmo que recontextualizado. O que é uma pena, pois vejo muitas informações positivas neste título, em especial para os rapazes, desde saúde até economia doméstica, sem preconceitos.
Sei que muitos fãs da Yoshinaga-sensei e de seu sucesso Antique Bakery consideram o Ono como sendo um dos personagens gays mais realistas vistos num mangá. Eu concordo com esta opinião mas reforço a recomendação para que também leiam “Kinou Nani Tabeta?”.
E para quem curtiu este artigo sobre os gays no Japão, pode considerar Kinou Nani Tabeta?como uma espécie de… bibliografia complementar. Mesmo que precise pular as receitas. (mas não deixem de ler sobre a geléia de morango, é muito fácil de fazer.)
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