Boys Love: demografia ou gênero?
Resposta curta: BL é tecnicamente um gênero que se comporta como uma demografia de mangás no Japão.
Confuso? Relaxa que a gente explica.
Antes disso, algumas definições básicas*
No Japão, os mangás são divididos nas famosas demografias de público (shonen, shoujo, seinen, josei, etc.) como uma maneira de lidar com a quantidade absurda de material que é publicado lá todos os dias.
Mangás shonen são para meninos, Mangás shoujo para meninas, Seinen para homens, Josei para mulheres, e por aí vai. Isso é decidido pela revista onde são publicados. Um mangá shoujo para ser shoujo deve ser publicado numa revista shoujo.
Além de determinarem onde esses mangás vão ficar na livraria, as demografias também determinam como será o marketing e o relacionamento com o público.
Tem mangá de tudo quanto é jeito para tudo quanto é público. A demografia é denominada somente pela revista, o tipo de história ou conteúdo do mangá não faz muita diferença nessas horas.
Podem existir histórias de ação, terror, romance, ou ficção científica em qualquer demografia. Lógico que alguns tipos de história podem ser mais populares em certas demografias, mas isso não quer dizer que aquele tipo de história sempre será para mesma demografia.
O momento que a confusão acontece é quando as pessoas associam certos tipos de histórias a uma demografia — como dizer que todo romance é via de regra um shoujo — quando não é bem assim que a banda toca. Existem mangás de romance tanto shoujo quanto shonen, no entanto, por pertencerem a demografias diferentes, eles serão tratados de maneiras diferentes, tanto pelos editores quanto pelo público.
Essas definições e divisões são feitas pelo mercado editorial japonês, como forma de atingir a maior quantidade do público alvo daquela determinada revista ou mangá, então nada disso é escrito em pedra. Existem exceções e preconceitos e estratégias de vendas tentando se aproveitar disso (o pensamento de ‘shoujo é assim e shonen é assado’ também existe no público japonês até certo nível). O que acaba resultando em coisas tipo a revista Monthly GFantasy que é uma “revista shonen para meninas”.
E como fica o BL nessa história toda?
Então quando falamos do BL ser uma demografia é mais pelo fato de que, no Japão, o Boys Love se comporta como uma demografia, semelhante a shonen, shoujo, seinen e etc.
O que queremos dizer com isso é que para ser classificado como BL um mangá deve ser publicado em uma revista BL.
Isso é independente do conteúdo ou formato de romance dentro da história, por isso no Blyme nós não tratamos só como um gênero porque existem mangás que possuem relacionamentos gays como parte da trama (Kinou Nani Tabeta, Blue Flag, Sasaki to Miyano, Tokyo Babylon), mas que não são considerados BL então não tratamos como tal.
Nós consideramos Killing Stalking um quadrinho BL (o que sabemos que causa muita briga entre os fãs) pelo simples fato de que no Lehzin – o site que publica a webcomic oficialmente – ele está classificado como BL.
Para outras mídias como videogames, novelas, drama CD, anime, etc o critério é o mesmo.
Se a obra está sendo vendida como BL pela empresa/produtora/gravadora/etc então nós consideramos como BL. Com essas mídias nem sempre é óbvio logo de cara, mas quando é vendido como BL geralmente o marketing faz questão de deixar isso bem claro.
Não funciona assim com o Yuri
A história é diferente com o gênero Yuri. Embora o BL e o Yuri tenham surgido dentro dos mangás shoujo e em períodos próximos de tempo, o desenvolvimento dos dois são radicalmente diferentes.
O Yuri demorou muito mais para ter revistas próprias. A primeira revista exclusivamente de mangás do gênero, a Yuri Shimai, só foi surgir em 2003(!!!). Em comparação, a Juné, a primeira revista BL, foi lançada em 1978 antes mesmo desse tipo de histórias serem chamadas de Boys Love.
Sendo assim, mangás yuri em sua grande maioria foram publicados fora de revistas especializadas e não são exclusivos de nenhuma demografia. Por exemplo, Bloom into you, de Nio Nakatani, é publicado na revista shonen Dengeki Daioh.
O gênero Boys Love
Já que entendemos demografia como ‘público alvo’, isso não diz muito sobre O QUE É o Boys Love como gênero literário. Afinal dizer que a demografia do BL é o público feminino fã de BL não soa muito explicativo. Já que isso diz mais sobre quem produz BL do que quem consome de fato.
Sem falar que muitas vezes nós falamos do BL pelo negativo, pelo que ele não é.
(“BL não é só focado em sexo”, “BL não precisa ter romance sempre”, “BL não é sempre só fantasia”)
E como falamos antes, existem mangás com relacionamentos entre homens que NÃO são vendidos como BL. Além da revista onde saíram, teria alguma diferença entre um mangá BL e um mangá que só tem um relacionamento gay?
Na prática, por mais maleável e aberto de possibilidades que seja, mangás BL tem expectativas diferentes comparado a mangás de fora do nicho. Porque sim, por maior que seja o universo do boys love, ele ainda é um nicho que recebe só um ou dois animes por ano.
Se é BL, você espera que o foco da história seja no casal principal. Se der a entender que a história vai falar de sexo, você espera que apareça. Você espera que o romance (ou qualquer que seja o relacionamento entre eles) seja desenvolvido de forma mais rápida porque maior parte das histórias do gênero tem só um ou dois volumes.
Não quer dizer que isso vai acontecer em 100% das histórias, mas essas expectativas pertencem ao gênero Boys Love.
O mesmo não é cobrado de mangás fora da bolha.
E os BL em revista shoujo?
O Boys Love surgiu dentro das revistas shoujo, antes mesmo de ter um nome próprio, na década de 70.
Apesar da primeira revista do gênero ter surgido na década de 70, o BL só foi consolidado comercialmente nos anos 90. Nesse período, diversos mangás influentes e populares saíram em revistas shoujo e que são considerados como BL hoje sem nenhum problema.
Um exemplo disso seria Gravitation, de Maki Murakami, que saiu na revista shoujo Kimi to Boku entre 1996 e 2002.
No entanto, após a consolidação comercial do BL, mangás BL fora de revistas especializadas tornaram-se praticamente inexistentes. BL está fechado dentro do seu próprio nicho, por mais sucesso que faça.
Hoje nós vivemos no meio de um “BL boom” devido ao sucesso de vários seriados japoneses e mesmo assim romances gays em shoujo mangá não são chamados de BL em nenhum momento. Obras como Kieta Hatsukoi e Sasaki to Miyano pegam vários elementos da narrativa boys love, mas as expectativas do gênero não são cobradas deles.
Porque ser classificado como BL é ser colocado em uma caixinha e uma divisão diferente nas lojas e livrarias.
Inclusive muitas revistas shoujo tem lançado novas revistas BL “irmãs”. Um exemplo é a editora da revista shoujo Hana to Yume (a casa de Akatsuki no Yona, entre outros sucessos) que lançou a ‘Triffle by Hana to yume’. Essa revista inclusive tem spin-offs BL de séries que saem na revista shoujo!
Um exemplo curioso disso é Sasaki to Miyano que tem um casal gay como foco em um mangá slice of life, mas o ‘BL’ que se encontra na página da webcomic se refere a ‘boys life’. A piada com a sigla do gênero chegou a tal ponto que no twitter oficial do mangá, existe um tweet fixado explicando que o mangá se encontra na sessão de shoujo e não de BL nas lojas (risos).
Qual o problema de chamar só de gênero BL?
Na teoria, nenhum, MAS…
Qualquer um que tenha estudado gênero literário sabe que é uma área caótica. Definições e classificações do que é considerado gênero, ou do que está dentro dele, variam tanto quanto o número de pessoas que estudam o assunto.
E a questão é que a classificação do que estaria dentro do gênero BL fica a cargo das editoras, produtoras e criadoras no país de origem, não do público.
A partir do momento que se trata o BL exclusivamente como gênero literário, isso abre espaço para que obras que não são vistas assim em seu país de origem sejam interpretadas de forma diferente em outros lugares.
E, como dito anteriormente, obras BL tem expectativas que não são cobradas em histórias não-BL. Julgar essas obras sob a mesma lente é pedir para sair frustrado.
Se Yuri!!! On Ice é visto como BL, o desenvolvimento do relacionamento de Victor e Yuri soa como algo “censurado”. Se Free!! é visto como BL, começam as acusações de ‘queerbaiting’. Se Sasaki to Miyano é visto como BL, o relacionamento do casal principal é lento demais e não satisfatório.
Na prática, é melhor tratar BL como uma ‘etiqueta’. Não é a gente que escolhe o que recebe essa etiqueta, só devemos aceitar e direcionar nossas expectativas de acordo com o que cada obra propõe.
* trecho retirado do texto Banana Fish é shoujo (?)
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3 Comentários
[…] para ser BL, precisa ser publicado numa revista dessa demografia. Recomendo muito a leitura desse post pra quem se interessar mais sobre o assunto pra entender como funciona o mercado editorial […]
Parabéns, eu ia falar isso, BL é uma etiqueta (label). É muito fácil fazer descarte de que se trate de demografía, pois ele está relacionado con o sexo e faixa etária (Tal vez o josei seja a demografía do BL). E gênero como vc bem falou é romance, terror, comédia, etc, etc. Têm muitos gêneros no BL! Senão quando aparecem obras como Killing stalking, Madk, o público fica confuso e acha que não é BL porque não segue as mesmas regras. Fica muito fácil identificar se é BL por se foi publicado numa revista BL e ponto. Não precisam brigar por se é ou não. Obrigada pelo post, vai ser muito útil para todos conhecerem melhor do tema! 👍
Que bom que gostou! Assim fica mais fácil explicar as coisas para o público quando começa a confundir as obras ^-^