Entrevista: Nitta Youka (Kono BL ga Yabai! 2021)
Essa é a quarta de uma série de entrevistas publicadas na revista Kono BL ga Yabai! 2021 que serão traduzidas e iremos publicar aqui no site.
A quarta entrevistada a ser publicada será a veterana Nitta Youka, autora do famoso clássico Haru wo Daiteita. Sua obra “Haru wo Daiteita ALIVE” foi a campeã do Kono BL Ga Yabai 2021, ficando em primeiro lugar na categoria Melhores Mangás BL.
O Blyme já divulgou o TOP 20 de 2021 neste link.
21 anos desde o lançamento de “Haru wo Daiteita” em 1999 e 8 anos desde o lançamento de “Haru wo Daiteta ALIVE”. A história de Iwaki Kyousuke e Katou Youji finalmente chega ao fim, conquistando o majestoso 1º lugar no ranking deste ano. Como comemoração, nossa revista conduziu uma entrevista por e-mail, durante a pandemia do novo coronavírus. Por favor, recebam os sentimentos que Nitta-sensei colocou em suas obras!
Nitta Youka – Perfil
Estreou em 1995 com “GROUPIE” (BE・BOY GOLD) e suas principais obras incluem “Spiritual Police” (Shinshokan) e “Kiss Ariki.” (Libre). Atualmente, está publicando a side story de “Haru wo Daiteita ALIVE” na revista BE・BOY GOLD.
Palavras à Iwaki e Katou
– Desde 1999 até 2020, muito obrigada por todos os esforços colocados na publicação da série “Haru wo Daiteita” durante esses 21 anos! (Estou ansiosa para ler o extra, mas) como você se sentiu quando terminou de desenhar a história principal desta obra, que se tornou o trabalho de sua vida, Nitta-sensei?
Muito obrigada. A verdade é que, quando terminei a história principal (na revista BE・BOY GOLD), mais do que me sentir realizada por ter terminado, eu fiquei com tanto medo do dia do lançamento que achei que iria morrer. Eu tinha a consciência de que havia desenhado um final indesejado, então lembro de não me aguentar e começar a escrever o epílogo, que é o capítulo extra.
Quando olhei para as flores de agradecimento, que chegaram junto com a amostra da revista, que o departamento editorial e aqueles que me ajudaram enviaram, eu pensei “acabou mesmo…”, fiquei sem forças e as lágrimas começaram a cair naturalmente. É difícil expressar em apenas uma palavra, mas acho que o principal foi a sensação de alívio por ter conseguido chegar aonde eu queria.
– Ao comparar o 1º volume com o último volume de “ALIVE“, pude perceber que o rosto e o aspecto de Iwaki e Katou foram ficando bastante humanamente suaves e ricos. Pude sentir a força do laço que foi construído entre eles, mas, se você pudesse dizer algo aos dois agora, o que diria?
Acho que seria “como nós ficamos velhos, hein” (risos).
– Desde o início da publicação, houve vários mecanismos dentro da obra que nos faziam pensar que Iwaki e Katou viviam no mesmo mundo que nós, como a aparição de páginas de revistas semanais e propagandas em trens. Por favor, conte-nos qual o contexto e as intenções por trás desses recursos.
Mais do que apenas uma intenção, eu simplesmente projeto o Iwaki e o Katou na indústria do entretenimento do mundo real e penso nas histórias. Mesmo quando desenho uma fantasia, não fico satisfeita se não for algo próximo da realidade. Mas, como resultado, eu mudava o modelo de itens como telefones celulares de acordo com a novas gerações, então acho que as pessoas que liam as publicações em tempo real realmente sentiam como se eles vivessem na mesma época que elas.
– O amor do Katou pelo Iwaki, em especial, era infinitamente grande e gentil. Acredito que muitos leitores tenham sido salvos por esse calor. Por favor, conte-nos sobre qual foi a cena mais marcante ou qual história você não consegue esquecer (sem se limitar ao Katou).
São tantas cenas com o Iwaki e o Katou que não consigo escolher, então, sem contas elas, talvez a cena em “Jamais Vu” em que Yoshizumi diz “você é um bom menino” à Iwaki. Foi uma sensação muito boa conseguir encaixar perfeitamente dentro dos quadros aquilo que mais parecia um vídeo dentro na minha cabeça.
– Fiquei feliz com a reaparição de Yoshizumi, o ator que se machucou perto do último episódio de “Fuyu no Semi“, parecendo estar bem. Por favor, conte-nos qual personagem, além dos dois protagonistas, você achava divertido desenhar ou que foi marcante.
O Miyasaka. Mesmo que ele diga algumas coisas dolorosas, sinto que ele vai ser perdoado, porque “fazer o quê, é o Miyasaka”, então eu diria que o nível de liberdade dele é bem grande (risos).
– Normalmente, Katou é o seme, mas, dependendo da situação, Iwaki também pode ser o seme. Senti que esse tipo de relacionamento versátil, onde você e seu parceiro podem experimentar os dois tipos de prazeres, é o ideal. Quando você começou a publicação, acredito que não haviam muitos que desenhavam BL com casal versátil. Por favor, conte-nos quais foram os pontos que você teve mais dificuldade e que você mais se dedicou para desenhar nesta relação de uke e seme.
O fato de ter se tornado cada vez mais difícil desenhar o Katou como uke, porque o número de pessoas que apoiavam o Iwaki como uke era esmagadoramente maior (risos).
– Dentro da obra, você sempre retratava preocupações comuns sobre a vida humana, como ciúmes e as dificuldades de equilibrar o trabalho e família. Podemos captar as nuances do coração dos personagens e os acontecimentos que ocorrem por causa de pequenos movimentos no coração das pessoas, além de compreender absurdamente bem o “amor por Iwaki e Katou” e o “amor pelas pessoas” de Nitta-sensei. Quais foram as dificuldades e os prazeres de criar uma obra com histórias que também podiam ser desfrutadas como um one-shot?
No sentido de desenhar episódios do dia-a-dia, eu não senti tanta dificuldade com o formato de one-shot. No entanto, depois de fazer isso durante anos, há várias falas que eu escrevi no storyboard, mas acabei apagando na versão final. A minha memória ficava uma bagunça, tipo “Ué? Eu já não escrevi essa fala antes?”. Dava vontade até de recrutar como assessor algum leitor destemido que tivesse decorado todas as falas.
– Um dos pontos altos foi quando o sobrinho de Katou, Yousuke, e o filho de sangue de Iwaki, Shou, aparecem e você desenha as dificuldades e alegrias de “viver como família”, não apenas como um casal. Havia algum plano de desenhar até este ponto, desde o começo da publicação? Além disso, quais foram as partes difíceis e divertidas de desenhar os dois como uma família?
Mais do que ter planejado desenhar, eu pensei que, na época em que perdeu as esperanças, Iwaki seria capaz de esconder uma bomba dessas, então era como se fosse minha arma secreta. Quando a relação de Iwaki e Katou havia se tornado inabalável e eu percebi que não aconteceria mais nenhum conflito, saquei a bomba pensando “acho que finalmente chegou a hora de usar aquilo”. Também pensei que o contraste com Yousuke, cujos laços de sangue não são tudo, era interessante. Acho que a dificuldade foi, como esperado, Shou ser odiado pelos leitores. Me sinto realmente culpada por fazer Shou ter um papel tão desfavorável.
– Em “ALIVE“, através do tumulto causado pela existência de Shou, você abordou sobre a intolerância nos dias de hoje e na comunidade virtual. Durante esse período de menos de um quarto de século, enquanto lutava arduamente com esta uma única história, houve mudanças e evoluções na sua maneira de pensar, que estavam em sincronia com o crescimento dos personagens?
Eu estabeleci que o Iwaki teria mais ou menos a mesma idade que eu, então, de tempos em tempos, eu fazia com que o Iwaki refletisse as coisas que aconteciam no mundo real e as coisas que aconteciam ao redor da minha geração. Por outro lado, já aconteceu de algo que eu atribui ao Iwaki acontecer comigo depois. O que sentimos e o que gostaríamos que acontecesse, tudo está sincronizado.
– Depois de construir uma carreira como atores pornográficos, Iwaki e Katou ascenderam até ser tornarem atores de 1ª classe, se tornaram oficialmente “o casal mais apaixonado do mundo do entretenimento” sendo dois homens, atuando perfeitamente até mesmo como personagens hétero…… É um desenvolvimento que eu também gostaria que acontecesse na sociedade atual japonesa, mas, estaria esse mundo, em que os dois são aceitos completamente, projetando o que você considera como uma sociedade ideal, Nitta-sensei?
Penso que, mais do que um mundo onde você precise advogar em voz alta pelo seu modo de ser, eu gostaria de um mundo que é aberto à diversos tipos de valores.
– Um total de 20 volumes de “Haru wo Daiteita” até “Haru wo Daiteita ALIVE“. Katou e Iwaki fizeram sexo com amor incontáveis vezes. Em um cenário em que o mesmo casal continua tendo relações sexuais, como você conseguia manter uma variedade?
Até a mais ou menos metade da história, eu me esforçava para não ficar rotineiro, mudando o local e as posições, mas, a partir de certo ponto, senti que esse tipo de esforço não era muito correto. Senti que, a ação de interagir naturalmente e reafirmar seu amor, era o mais apropriado para os dois. Talvez o propósito do ato tenha mudado do prazer para uma satisfação emocional.
Sobre o final, que até a fez pensar em se aposentar
– No posfácio, junto com os conflitos relacionados à história, que até fizeram Nitta-sensei “pensar em se aposentar”, foram marcadas palavras muito fortes como “eu acredito que este final é um final feliz”. Sem desviar o olhar de assuntos como vida e morte e despedidas humanas, quando foi que você tomou a decisão de que iria desenhar tudo, até a morte? Ficaria feliz em poder ouvir um pouco mais detalhadamente sobre o processo da sua decisão até aqui, Nitta-sensei.
Pensei vagamente sobre isso na época de “Inside Report“, no 4º volume, depois de desenhar “Fuyu no Semi“. Decidi desenhar o capítulo final como uma forma de contraste. O ponto de partida é que, se Katou perdesse Iwaki, ele provavelmente não conseguiria continuar vivendo. Por outro lado, eu me perguntei como seria para Iwaki. Eu não iria deixar a vida de Iwaki e Katou na mão dos outros. Eu decidi me responsabilizar por eles até o fim, sem deixar para a imaginação das outras pessoas, quando pensei nesse final.
– Além disso, desde que você nomeou a nova série como “ALIVE“, já havia decidido que iria desenhar até mesmo o luto, que é inevitável ao ser humano, e a vida depois disso? Como um dos leitores, por você ter desenhado tudo até este ponto, eu sinto que a existência e o amor de Iwaki e Katou ficarão cravadas na eternidade, mas conte-nos quais os sentimentos que foram colocados por você na palavra “ALIVE“.
Quando estava preparando o mangá da nova série e estava indecisa sobre o subtítulo, a sugestão que recebi do departamento editorial foi “ALIVE“. Eu já havia comunicado que o final da história seria desse jeito, então questionei se “não acabaria sendo um título bastante sarcástico”, a resposta foi que “durante esta publicação atual, a sensação de que eles estão realmente vivos é muito grande, então acredito que seja apropriado” e eu achei que fazia sentido.
– Ao ler a obra até o final, o título “Haru wo Daiteita” me lembrou também do monólogo do Iwaki: “Naquele momento, eu certamente abracei Katou – o homem que era como a primavera”. Ficaria feliz em poder ouvir novamente sobre o significado desse título.
É exatamente esta a ideia. Se for para acrescentar algo, ficaria grata se você interpretasse que o tempo que Iwaki passou com Katou foi sempre caloroso como uma agradável primavera e continuou o aquecendo por toda a sua vida.
– Após a morte do Katou, me apertou o coração ver Iwaki entrar em conflito, diante da tristeza, pensando “eu mataria a mim mesmo, que ele amou tanto?”, “este eu, que foi reconstruído por ele, não permitiria isso”. Por favor, conte-nos com que sentimentos você escreveu o último capítulo e algum acontecimento relacionado a essa produção.
É contraditório, levando em conta que eu que planejei isso, mas eu sinceramente não queria desenhar. Quando escrevi a primeira parte de “Tokoharu“, fiquei com a saúde física prejudicada, possivelmente por causa desse estresse, e as piores coisas que você poderia imaginar aconteceram uma atrás da outra. Eu estava acabada tanto física quanto mentalmente. Pensei que isso era Katou reclamando que não queria morrer. Como resultado, acabei agarrada no meu editor, chorando que talvez não devesse desenhar aquilo. Ele recomendou que eu me exorcizasse para afastar os maus espíritos (厄/yaku), mas eu disse que desenhava histórias sobre pessoas que interpretavam papéis (役/yaku), então não poderia fazer isso. Em vez de me exorcizar, meu editor comprou um amuleto de “realizar desejos” e me enviou. Enquanto escrevia, eu deixava esse amuleto na frente da mesa e até hoje ele está preso com carinho nas chaves da minha casa. Graças a ele, consegui desenhar até o final.
– Ao mesmo mesmo tempo que está em sincronia com as mudanças e evoluções da sociedade, também sinto que a história está andando um pouco a frente do mundo atual. As falas “nós não tivemos um romance que nos obrigasse a estar sempre juntos”, “um estilo de vida que não me envergonhe quando nos reencontrarmos…” de Iwaki no capítulo extra ecoaram em meu coração. Iwaki se torna um político, aprova a Lei de Igualdade para o Casamento Homoafetivo e falece. Ficaria feliz em saber quais os motivos por trás da sua ideia de fazer a história se comprometer tão profundamente com a realidade.
O motivo de eu ter dividido o epílogo em extras foi por causa dessa linha temporal. Eu desenhava “HaruDaki” com base no progresso e no passado do mundo real até agora, então desenhei o futuro depositando minhas esperanças de que as coisas aconteçam assim.
– Dentre as vozes dos leitores que chegaram a você até hoje, qual foi a mais marcante?
Não sei se posso chamar de vozes, mas ver tantas pessoas tentando digerir aquele último capítulo difícil de digerir, chorando e dizendo que “esta foi a vida deles”, me fez ficar admirada e pensar que eles realmente eram muito amados.
Até Nitta-sensei se tornar mangaká
– Você sempre quis ser mangaká?
Era no nível de “seria legal se eu pudesse me tornar uma”, mas eu sonhava.
– Quantos anos você tinha quando desenhou algo que poderia ser chamado mangá pela primeira vez? Por favor, conte-nos sobre o que se tratava.
Tinha um anime de robôs com irmãos e minha primeira lembrança é de ter desenhado um mangá desses irmãos em um caderno, sem nem dividir os quadros. Eu estava no Ensino Fundamental, mas… foi o famigerado caso em que os B(oys) faziam L(ove).
– Quando você completou o primeiro manuscrito de verdade e que tipo de obra era?
Acredito que foi no 9º ano e que era derivado de um mangá de futebol popular na época.
– Conte-nos os detalhes de sua estreia como mangaká.
Quando trabalhava com doujin, fui convidada para fazer ilustrações para a primeira edição de uma revista de romances e tive minha estreia como ilustradora. Depois disso, fui chamada pela Libre e pude estrear com mangás também.
– Se não tivesse se tornado mangaká, qual profissão você acredita que teria seguido?
Eu trabalhava em uma gráfica, então, se não tivesse me tornado mangaká, acredito que teria continuado trabalhando lá.
– Em quais momentos você pensa que foi bom ter se tornado mangaká?
Como sempre, quando leio as impressões e considerações. Algo curto como “foi divertido” já era ótimo, mas também levava em consideração quem analisava pequenos indícios, manias e intenções. Isso me fazia pensar que precisava continuar trabalhando duro!
– O que não pode faltar quando você está desenhando mangá?
Chá verde forte.
– O que você faz para dar uma pausa, quando não consegue avançar no manuscrito?
Eu durmo (risos).
Interessada no BL Tailandês “2gether“!
– Conte-nos se havia algum mangá, animê ou jogo em especial que você gostava quando era criança.
Eu gostava do anime de robôs com irmãos, que mencionei anteriormente, “Rokushin Gattai Godmars”.
– Quando e que tipo de experiência foi o seu primeiro encontro com algo como BL?
Foi quando, durante o Ensino Fundamental, uma moça da vizinhança me mostrou uma “JUNE”.
– O que você pensou naquele momento?
Eu já era uma criança que assistia animês e fantasiava com os B fazendo L, então fiquei aliviada de não ser a única estranha. A moça também deve ter me mostrado, porque sentiu que éramos da mesma espécie (risos).
– Desde o surto do Novo Coronavírus, que tipo de mudanças ocorreram no seu cotidiano?
No que se refere à escrita, felizmente eu já tinha mudado para o digital, então não houve grandes mudanças. Mas é doloroso não poder mais sair sem preocupações para coletar dados.
– Por favor, conte-nos se está viciada em alguma pessoa, coisa ou acontecimento recentemente.
Estou viciada no BL tailandês “2gether”. O Bright é um colírio para os olhos!
– Por favor, conte-nos suas maneiras de aliviar o estresse.
Me dedico à cozinha.
– Por favor, conte-nos se você tem algum desafio que gostaria de transformar em mangá ou se há algum personagem, relação, indústria ou tema que você gostaria de desenhar.
Tenho interesse em Fantasia e Omegaverse.
– Para você, Nitta-sensei, o que significa o gênero BL e desenhar o amor entre homens?
É minha motivação para criar.
– Por fim, por favor, uma mensagem aos nossos leitores.
Ficaria feliz todos se pudessem guardar em seus corações, nem que seja um pouquinho, esta história deles, que eu desenhei por tanto tempo. Muito obrigado por tudo até agora.
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2 Comentários
Eu sinto meu coração quentinho ao ler essa entrevista, mesmo com o final duro do mangá pude aprender várias coisas e vários sentimentos.
Fico muito feliz com o compromisso da Nitta sensei e os sentimentos fortes da obra. Obrigada por tudo
AAAAAAAA ❤️
Obrigada 😊❤️
Ser fujoshi tá no sangue mesmo, né?? Hahaha