As razões por trás da atualização de Tomoko Yamashita – Passar uma mensagem pode ser assustador (tradução)
Essa é uma tradução da entrevista The Reasons Behind Tomoko Yamashita’s Update – Sending out a message can be scary., publicada originalmente em 18 de março de 2021
O popular mangá Sankaku Mado no Sotogawa wa Yoru (The Night Beyond the Tricornered Window) de Tomoko Yamashita finalmente terminou em seu décimo volume, lançado em 10 de março de 2021. Um filme live-action foi lançado em janeiro do mesmo ano e uma adaptação para anime está sendo produzida. Esse é um novo trabalho significativo para Yamashita, que celebra o 15º aniversário da sua estreia como autora.
Nos últimos anos, seus trabalhos chamaram atenção pela perspectiva do politicamente correto e seus fãs apoiam com paixão as mensagens que levantam questionamentos sobre valores tradicionais. Mas como ela adquiriu essa perspectiva? E como você mantém sua consciência atualizada enquanto você cria?
Sempre pense: Precisa ser assim?
── Eu tenho a impressão que você tem certas respostas em mente que você sempre se apega e que deixa você criar seus trabalhos sem hesitação alguma.
Eu não tenho resposta nenhuma! (risos) Na verdade eu tropeço muito durante o processo criativo.
── Como você notou a importância do politicamente correto nos seus trabalhos?
É principalmente devido ao meu gosto por séries de TV estrangeiras. As questões que os criadores prestam atenção, as coisas que seriam consideradas problemáticas se pessoas falassem sobre, as ideias coletivas sobre como as coisas devem ser e as muitas identidades…. O escopo do que estou vendo e ouvindo cresceu e, por consequência, eu fui capaz de ligar uns pontos sobre algumas coisas na ficção que eu sempre me senti insegura.
── Algumas pessoas podem apenas desconsiderar certas coisas dizendo “pessoas fora do Japão tem uma vida difícil”. Ao invés disso, você levou em consideração isso com calma e acolheu um ponto de vista diferente com braços abertos.
A realidade é que até no Japão existem pessoas vulneráveis e minorias que precisam de cuidados. Eu notei que eu não os via até agora. Dizer algo como “as pessoas fora do Japão tem uma vida difícil ” é uma mentalidade perigosa – perdão pela minha aspereza.
── Você mencionou sentir-se insegura sobre certas coisas em ficção. Pode nos dar alguns exemplos?
Claro, isso não é o caso com todos os trabalhos japoneses e tem alguns que eu ainda gosto, mas eu sinto que muitos deles possuem um sistema de valores dominado por homens. Esses trabalhos me fazem sentir como se eu fosse deixada de escanteio, o que me deixa triste. Garotas muitas vezes também são tratadas como obstáculos em BL (Boy’s Love), o que é bem chato.
── Eu ouvi que você tenta mostrar diversidade até nos aspectos mais triviais. Por exemplo, ao invés de ter apenas policiais homens, você faz questão que suas histórias também tenham policiais mulheres. Tem mais algo que você presta atenção assim?
Depende do trabalho. Quando eu desenho policiais, eu tento colocar policiais mulheres porque eu me incomodava pois policiais na ficção sempre são homens. Mesmo que o número de mulheres na força policial japonesa seja bem pequena, é necessário copiar igual na ficção? Não estaria eu apenas assumindo que todos os policiais são homens? Por conta desses pensamentos, eu tento colocar policiais mulheres também.
Eu acredito que podemos fazer nossa parte para mudar o mundo evitando reproduzir as mesmas desigualdades que vemos no mundo real na ficção. Mas fora isso, eu não foco em nada específico. Eu apenas tento pensar em toda cena e todo personagem secundário de forma detalhada. Eu sempre me pergunto: eu realmente preciso usar esse tipo de cenário? Não estou sendo parcial? Então não sinto que tem algo que eu presto atenção de forma especial.
── Então o que você está dizendo é que você não está fazendo nada de excepcional.
Eu não quero ir além da zona de “só por diversão”. Como uma leitora, eu não queria que o conteúdo da ficção me machucasse, por isso como escritora eu faço o que posso para não machucar ninguém sem intenção. Eu não quero que meus leitores sintam a mesma tristeza que senti quando eu era excluída de uma história. Eu não quero escrever histórias que façam pessoas pensar, “Apenas meninos podem ter aventuras.” Não estou tentando soar solene aqui. Só pensei que seria legal escrever as mesmas histórias que eu mesma gostaria de ler.
Passar uma mensagem pode ser assustador.
── Prestar atenção em um preconceito inconsciente não é fácil. Você já fez algo que se arrependa?
Tenho certeza que meu pouco conhecimento e visões limitadas devem ter machucado alguém no passado e me arrependo disso. Contudo, creio que é mais seguro entender que você pode acabar fazendo algo descuidado e sempre ser cuidadoso. Você nunca deixará de cometer erros e é praticamente impossível viver sua vida sem machucar alguém. É por isso que busco prestar atenção na medida do possível.
── O que você faz quando comete um erro?
Quando eu estava começando como escritora, uma pessoa que eu entrevistei mencionava um de seus pais, mas eu pensei que deveria mudar para “pais” na transcrição. Contudo, quando lhes mostrei o manuscrito final, a pessoa me falou que foi criado apenas por sua mãe… Naquela época, eu senti muito pela minha falta de compreensão.
O que fazemos depois de errarmos é sempre uma dor de cabeça, não é? Infelizmente, na vida real, existem poucas chances para consertar as coisas depois de machucar alguém seriamente. Contudo, eu acho que ao compartilhar nossos erros podemos ajudar que os outros evitem cometê-los. Nosso desejo pode ser escondê-los, mas, por exemplo, um amigo meu postou algo nas mídias sociais que alguém apontou que era um pouco descuidado. Ele explicou o que ele estava pensando quando escreveu e desculpou-se por sua falta de pesquisa, prometendo buscar mais sobre. Depois disso, ele notou que ele de fato fez um comentário preconceituoso e pediu desculpas. Quando vi isso, pensei que é esse tipo de pessoa que eu quero ser.
── No passado, você causou comoção quando anunciou no Twitter que você parou de chamar trabalhos BL de “homo”. Essa declaração foi postada com a intenção de “dividir seus erros”?
Naquela época, alguém me mandou uma mensagem sobre isso. A pessoa disse que eu usei a palavra “homo” nos meus trabalhos mais antigos e que, mesmo que eu não possa mudar minhas publicações mais antigas, eu deveria pelo menos avisar que eu não usava mais esse termo. Eu pensei o mesmo. Mesmo que tivesse parado de usar certas expressões, acreditava que certas coisas precisavam de explicação e que eu precisava tomar responsabilidade por ter usado tais expressões no passado.
Mas, eu acabei deletando o tweet e a discussão que gerou, porque algumas pessoas interpretaram minhas palavras de uma maneira que eu não pretendia. Afinal, lidar com uma única pessoa através de DM’s e lidar com um grupo grande de usuários de mídia social são coisas bem diferentes. Eu ainda não sei como eu deveria ter lidado com a situação na época…
── É preciso coragem para olhar para seus erros passados e dividi-los publicamente.
Eu odeio pensar que eu sou alguém influente, mas a verdade é que eu preciso ter responsabilidade pelos termos e expressões que uso nos quadrinhos que são publicados em mil ou dez mil cópias. Se você se arrepende de algo que fez no passado, creio que é melhor falar em voz alta se tiver a chance. Quanto mais rápido você desculpar-se, melhor.
── Tem algo que você colocava em seus trabalhos e agora você não coloca mais?
No BL, por exemplo, eu notei que retratar amor homossexual como algo proibido e relacionamentos homossexuais como um tipo de amor anormal era errado. Claro, discriminação ainda existe, mas certas coisas não deveriam mais ser tabu.
── Tem algo que você presta atenção no seu cotidiano para que você não machuque ninguém sem que você note?
Acredito que é importante aprender sobre vários tipos de pessoas e pensar que tipos de humanos você pode encontrar. Eu falei sobre a gafe com alguém que você entrevistou que foi criado apenas por sua mãe. Devíamos ter em mente que existem pessoas por aí com apenas um dos pais, dois pais, três ou mais pais, e pessoas que irão ter duas mães ou dois pais. Ao saber de que existem todos os tipos de pessoas por aí, sinto que posso usar minha imaginação para explorar as diferentes possibilidades. Contudo, ainda tem momentos que meu cérebro não dá conta, então passar uma mensagem pode ser muito assustador. Mas se nós deixarmos de falar apenas por termos medo, o mundo ainda continuará sendo o mesmo velho lugar assustador.
“Politicamente correto” não significa chato.
── Algumas pessoas acham que politicamente correto é chato. O que você diz sobre isso?
“Politicamente correto” não quer dizer chato. Tanto Mad Max: Estrada da Fúria e Sete Homens e Um Destino foram tão divertidos! Violência na ficção entretém, e é isso que eu quero escrever e ler. Acho que é importante encontrar um equilíbrio entre isso e seu próprio senso de ética.
Por exemplo, ao desenhar um personagem que não se preocupa com questões éticas, o autor pode retratá-los de uma maneira que fique claro que suas ações são erradas, certo? No website de fanworks Archive of Our Own, trabalhos que retratam violência sexual tem avisos de conteúdo como “Esse trabalho pode ser gatilho para lembranças para aqueles que sofreram abuso sexual.” Ao desenhar um trabalho que pode ser problemático por questões éticas, você não pode apenas dizer “Isso vai machucar algumas pessoas. Que seja!” Em vez disso, você precisa pensar seriamente que esse trabalho pode machucar alguém.
── No Japão temos algo similar a avisos de gatilho, mas sinto que eles são mais usados para preferências pessoais. Tipo, “se você não gosta desse tema, sai daqui!”
Eu sinto que tem muitos avisos sobre preferências, mas não sobre ética. Claro, é muito difícil fazer uma distinção clara entre “eu não gosto desse trabalho por uma questão ética” ou “eu apenas não gosto desse trabalho”, mas sinto que seria bom falar dessas questões de maneira separada. Por causa dessa ambiguidade, sinto que até em discussões, existem situações nas quais pessoas não estão no mesmo ponto porque uma pessoa levanta a questão de uma perspectiva ética e a outra responde a partir de uma questão de gosto pessoal.
── Como você mantém sua consciência atualizada?
Hum… Não tenho certeza… (risos). A única coisa que posso dizer é para manter-se alerta. Um grande fator para mim é meu vício em séries estrangeiras: Eu comecei a assistir entrevistas com atores e suas declarações no idioma original. Hoje em dia, com Netflix, etc., existem muitas ferramentas de tradução disponíveis e podemos ter contato com coisas do mundo todo. Acho que é importante se expor a diferentes formas de pensamento. Você pode até encontrar um sistema de valores que você sinta-se mais confortável do que aquele que você está inserido agora.
── Que tipo de conteúdo você acha que expandiu seus horizontes?
Eu choro toda vez que assisto Queer Eye na Netflix. É um documentário sobre um grupo de 5 pessoas homossexuais e não-binárias que fazem seus clientes passar por uma transformação e é um ótimo jeito de aprender sobre as dificuldades que algumas pessoas passam e descobrir que tem mais de um jeito de ver o mundo.
Eu queria que a heterossexualidade fosse parte das minha série BL.
── Sankaku Mado no Sotogawa wa Yoru é um de seus trabalhos mais divertidos.
É todo sobre entretenimento. Começou como uma história curta fechada antes de virar uma série, então muitas partes da história foram desenvolvidas como algo no calor do momento.
── Com dez volumes no total, esse é seu trabalho mais longo até agora.
Sim. Eu costumava desejar que fosse por volta de dez volumes, mas nunca pensei que realmente aconteceria. Mas eu fui capaz de chegar na forma que eu tinha em mente desde o começo. Esse é o BL que eu queria passar dez volumes conhecendo.
── Perdão a questão não delicada, mas é correto dizer que Hiyakawa é o seme e Mikado é o uke?
Sim, está certo. Mesmo que existam algumas pessoas que curtam o trabalho a partir de uma perspectiva contrária, essa é apenas a interpretação deles. Eu realmente gosto de casais com papéis fixos, então eu me surpreendi que alguém interpretou desse jeito (risos). Na verdade, nas partes iniciais da história, eu planejava fazer Erika e Mukae mais como provocação para levá-los para tentação, mas eu pensei quão triste seria se meus personagens favoritos tivessem um papel tão triste, então no fim, eu os coloquei para serem bons criadores do caos.
(Nota do tradutor: o que chamamos de perspectiva contrária, o chamado reverse pairing em inglês, são o ship de casal do mesmo sexo onde os papeis de seme/uke são alterados se comparado ao que o shipper gosta ou ao que o autor estabeleceu. O pessoal no Japão pode ser muito apegado à sua preferência de seme/uke para ships específicos).
── Você disse que escreveu boa parte de Sankaku no calor do momento. Que outras mudanças você fez ao longo do caminho?
Fiquei feliz ao ver que Erika tornou-se mais humana do que eu inicialmente planejei e, como resultado, muitos leitores amaram ela além das minhas expectativas. Outro erro de cálculo feliz foi a questão dos pais do Mikado. Não apenas eu tive permissão para desenhar um capítulo inteiro sobre uma história de amor heterossexual em uma revista de BL comercial, como também os leitores acharam ok. Eu achei muito emocionante.
Eu sei que algumas pessoas não querem relacionamentos hétero nos seus BL, mas eu queria que a heterossexualidade fosse parte de minhas histórias, até mesmo as que giram em torno de amor entre garotos. Claro, o casal principal ainda são Hiyakawa e Mikado, mas existem histórias de amor hétero acontecendo ao redor deles, como entre Erika e Sakaki e o relacionamento entre os Hanzawa. Mesmo que seja claro qual é o casal principal da história, eu queria mostrar aos leitores que cada relacionamento não é inferior ou superior aos outros.
── Seu trabalho de estreia, Kuimonodokoro Akira, também presta bastante atenção aos personagens ao redor do casal.
Eu planejava escrever Kuimonodokoro Akira como um drama conjunto onde o romance é apenas uma parte da vida e foi essa a direção da primeira versão do mangá que foi publicada em um doujinshi. Mas, na época era difícil fazer uma série em uma revista de BL comercial, então o departamento editorial pediu que eu ajustasse a história para focar no romance. Por isso o doujinshi parece tão diferente da versão do tankobon.
── Pelo que você diz, parece que você tem uma história com diversos dramas que enfatiza o BL, antes mesmo de Sankaku virar série.
Pensando agora, é isso mesmo. Casais são o centro de minhas histórias, mas eu também retrato seus arredores. Eu gosto que tenha amor… Entre outras coisas. Se alguém me pedisse para escolher entre essa pessoa e o trabalho, eu diria, “Perdão, mas escolho o trabalho”. Claro, não é assim que funciona na maioria das histórias. Mas eu acho que é ok deixar o amor de lado pelo trabalho.
── Mikado parece ser o tipo de pessoa que iria trabalhar não importa o que Hiyakawa falasse.
Não acho que Hiyakawa seria egoísta assim, mas Mikado com certeza insistiria em ir trabalhar. É um casal desses que me faz querer desenhá-los. E Sankaku é uma história BL. Eu direi isso de novo e de novo (risada).
──Muito obrigada por seu tempo hoje. Eu fiquei com a impressão que você desenha mangá com uma missão. Mas claro, enquanto você enfatiza a ética, diversão é o que vem primeiro para você e tudo mais é em razão do entretenimento.
Hahaha, eu não desenho mangá com uma missão! (risos) Eu não desenharia mangá se eu não gostasse.
(O mangá Sankaku Mado no Sotogawa wa Yoru pode ser adquirido em japonês no site Pixiv Comic. Os mangás Boys Love da autora Snip, Snail & Puppy Dog Tails, iLLUMiNATiON e Je T’aime, Café Noir estão disponíveis em inglês na futekiya)
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