Entrevista: Harada
Tradução da entrevista que a mangaká Harada fez para a revista BL Beginer’s Guide em 2015. A tradução foi feita do inglês e pode ser lida nesse Tumblr e recebemos autorização para realizar a tradução.
Há várias maneiras de amar. Sem esconder o lado sombrio e vergonhoso desse sentimento, a talentosa artista Harada impressiona seus leitores com a sua narrativa viciante, erótica e impressionante. Agora, um ano após a sua estreia oficial com quadrinhos originais, nós fizemos algumas perguntas para a “revolucionária” que continua atacando os limites do apelo do BL.
Um gênero muito mais amplo e livre do que imaginava no início:
– Como você chegou no BL?
A primeira vez que fiz qualquer coisa do tipo foi quando eu estava no ensino fundamental e uma as minhas amigas me emprestou uma novel. Depois disso, algo cresceu lentamente dentro de mim e foi quando fiz o meu primeiro doujinshi em 2011, eu pensei “Não tem mais volta agora”. (risos)
Na verdade, eu comecei a procurar outras obras BL originais só depois que comecei a trabalhar com isso. A primeira história BL que li para o meu trabalho foi “Toshishita Kareshi no Renai Kanriheki” da Sakurabi Hashigo. Era tão sexy e fofa e isso foi um choque para mim porque eu pensei “Eu não sabia que o BL era tão interessante!”.
– Essa sua nova percepção mudou a sua escrita?
Eu costumava pensar que era uma forma de exigência que o BL devia ser todo romântico e meloso com finais felizes e uma quantidade moderada de sexo. Mas conforme eu lia trabalhos diferentes, eu percebi que isso não é necessariamente verdade. Sexo não é obrigatório, nem um final feliz. Além do fato de que é “um relacionamento entre homens”, eu descobri que é um gênero onde qualquer coisa vale. Eu acho que passei a compreender mais o BL, invés de mudar a minha atitude com relação a ele.
Adicionando um tempero único a base das histórias populares:
–Entrando no tópico do capítulo “Yajirushi” que fez parte da antologia ‘Gesu BL’, teve algo particular que estava na sua mente enquanto escrevia? (Gesu = baixo nível; vulgar)
Meu primeiro pensamento foi “Finalmente”. Eu fiquei toda animada e perguntei ao meu editor, “Tudo bem ter um final triste?!” meu editor disse “É BL afinal”, então fiz com carinho (risos). Costumam dizer para mim que meus personagens são pessoas terríveis, mas não é a minha intenção escrever personagens cruéis. Então quando pediram para mim escrever algo dessa categoria específica, eu não tinha certeza de como expressar isso e ficava me perguntando, “o que seria Gesu…?”, mas pensando agora, eu acho que podia ter ido mais longe ainda
-Então “gesu” é meio que especial para você?
Eu amo personagens horríveis. Não como é como se eu quisesse ver ukes passando por coisas terríveis… bem, eu acho que gosto disso um pouco também (risos). Mas esse não é o foco – o que eu adoro é ver o arrependimento do seme depois de tratar o seu parceiro cruelmente. Como o tipo de lixo humano que fica todo animado sozinho, ou caras imprestáveis que abusam dos seus parceiros, mas viram covardes no momento que pensam “O que vou fazer se ele me largar”. Eu acho que o aspecto do Gesu adiciona um tempero extra a esses personagens.
-Como você inventa todos os seus personagens e histórias?
Eu normalmente tenho um cena específica na mente e amplio a história a partir disso. Por outro lado, eu começo a escrever uma história com a intenção de incluir essa cena. Depois que a história está decidida, eu começo escrevendo personagens bem normais. Mas personagens completamente normais não são tão interessantes assim, então eu adiciono defeitos e características distorcidas aqui e ali. É mais fácil escrevê-los dessa maneira também.
Eu tento não adicionar muita história de fundo neles logo de início. Eu começo com um recorte pequeno e adiciono camadas em cima disso.Eu acho que no fundo, mas minhas história são bem clichês. Eu só coloco esses cenários e linhas que gosto aqui e ali.
-“Aqui e ali”, você diz!
Pequenas diferenças, aqui e ali (risos). Eu só escrevo qualquer coisa que invento, então eu só tento me soltar e seguir o fluxo da narrativa.
A parte mais difícil é juntar todos as cenas que quero escrever em uma história coerente. Os personagens e suas histórias de fundos só são adicionadas depois, então o resultado final tende a ser meio deformado. Mas eu sinto que isso é okay.
-Talvez o aspecto deformado que parece inovador para os seus leitores. Quanto tempo você costuma levar com a história e o rascunho?
Depende da história, mas eu normalmente levo um ou dois dias para a história, e dois ou três dias para o rascunho. Eu me isolo em algum restaurante ou café e escrevo tudo de uma vez só. Eu vou procrastinar se não tiver ninguém por perto, então eu escolho lugares movimentados com muita gente, e bebo álcool se for possível. Eu geralmente bebo enquanto trabalho – seja escrevendo a história ou fazendo o rascunho ou aplicando a tinta…(risos). Eu evito quando tenho que pensar muito, mas é mais fácil escrever quando estou animada por causa do álcool.
-Eu tenho a impressão de que você publica com bastante frequência para uma autora de BL.
Será? Eu só passo os meus dias assim, levanto, bebo, escrevo, bebo e volto a dormir. Eu não penso que “escrever mangá = trabalhar”, então eu não mereço tanto assim os meus dias de folga. Eu tenho que cumprir os prazos de entrega agora, mas mesmo se eu não precisasse fazer isso, eu provavelmente continuaria a fazer isso. Quando eu passo muito tempo pensando na história e não desenho por alguns dias, eu fico tipo “Como é que desenha isso de novo?”.
–Você chega a passar por momentos que não consegue pensar em uma história ou não consegue desenhar?
Eu tenho algumas ideias estocadas, então acho que isso não vai acontecer. Meu maior problema são edições especiais. A Libre tem vários temas impressionantes, tipo “Gozar no momento que ele enfia” e “tentáculos” para essas edições especiais, então eu tenho que pensar bastante em como usar as ideias que tenho guardadas com esses temas.
-Suas ideias estocadas estão gravadas em algum lugar?
Eu tenho uma coleção de cenários que quero escrever anotados em notas de duas ou três linhas. Eu gravo eles no meu Pomera (máquina de escrever digital) assim que penso em algo. De vez em quando eu releio elas e não consigo lembrar como era a ideia original, ou tem ideias como aquelas que envolvem “personagens sem nome” que não funcionam para uma publicação normal.
-Muitos dos seus personagens principais nos seus mangás não tem nomes, tem algum motivo específico para isso?
Isso mesmo. Dar nomes para eles me faz pensar, “Ah, eu fiz um personagem completo”, e isso dá um pouco de vergonha. Quando eu escrevi “Henai” eu enviei os rascunhos dos personagens e a história sem dar nomes a eles. Fui aprovada direto e pensei “Eu consegui!” (risos). Então agora, a maioria dos meus personagens dos meus trabalhos na Libre não tem nomes.
Para a história “Hikizuru Oto” do volume “Yajirushi”, eu dei nomes para eles porque era necessário para o plot. Em “Piercing”, o seme narra a história inteira do ponto de vista dele, então eu só nomeei o uke. O seme só se refere a ele mesmo como “watashi” (eu).
-Você chama os seus personagens de “uke” e “seme” quando conversa com o seu editor?
Na maior parte do tempo, sim. Além disso, eu talvez fale deles usando as características marcantes deles. Um dos meus personagens de “Koukai no Umi” eu chama de “cílios” e o uke de “Yajirushi” eu chama de “boqueteiro” (risos).
-Isso é horrível! (risos)
-Eu soube que várias pessoas disseram que descobriram novos “interesses” lendo os seus trabalhos.
Eu fico feliz de saber que tem pessoas por aí que descobrem algo novo sobre elas mesmos. Tenho certeza que algumas pessoas acham meus trabalhos difíceis de engolir. Mas eu tento fazer vários tipos de histórias, então quando eu compilo minhas histórias curtas em livros, eu tento combinar vários tons diferentes de obras.
Eu escuto comentários como “Esse aqui foi demais para mim, mas esse outro eu gostei” bastante e se você falar com seus amigos sobre quais mangás você gosta, eu tenho certeza de que você consegue adivinhar “Ah, então é disso que você gosta” (risos).
-Eu entendo totalmente (risos). Você faz um esforço consciente de tentar criar vários estilos e tipos de histórias?
Eu pessoalmente tendo a escrever histórias leves depois de terminar de escrever algo mais pesado. Até eu canso de escrever coisas pesadas, então eu gosto de fazer histórias ridículas às vezes.
Eu chamo meu processo de escrever histórias românticas depois de histórias cruéis de “estratégia de redenção” (risos). Eu sinto que preciso pedir perdão, tipo “Dessa vez vai ser algo romântico e fofo, por favor me perdoe.”
Meu editor me ajudou bastante para decidir a ordem das histórias curtas que ia incluir nos volumes Tankobon. No caso de “Henai”, eu comecei com uma história leve e coloquei a mais séria bem no final, mas em “Yajirushi” tinha várias bem pesadas, então eu terminei com uma mais engraçada e romântica. Eu recebi mensagens dizendo “A última história foi fofa então me senti bem quando terminei”, mas foi tudo graças ao meu editor.
-Você tem alguma outra história interessante sobre a produção por baixo dos panos dos seus mangás?
Bem, isso tem haver com a censura interna da arte, mas meu editor da Tokyo Mangasha me contou – “A empresa pegou para nós mesas digitalizadoras para que pudéssemos fazer a censura de ‘Suki na Hito Hodo’. Eu sempre quis uma, então obrigado”. Mas o pessoal da Takeshobo me disse “Nós usamos dois cartuchos cheios de tinta quando fizemos a censura de ‘Yatamomo’.” Parece que virou meio que uma lenda por causa disso. Peço desculpas (risos).
-Tenho certeza que existem muitos leitores que são fans do seu estilo dinâmico-mas-bem-detalhado, mas censura é um assunto bem tenso afinal.
Eu sempre fui bem franca quando se trata se desenhar áreas sensíveis, mas eu acho que os leitores ficariam desapontados de ver tanta tinta branca, então recentemente eu tenho mudado os ângulos e posições dos balões de fala então não exige muita esforço para censurar. Mas tem várias autoras que sempre fizeram isso. Eu fiquei meio tipo, “Eu já não estou meio atrasada nesse quesito?!”
O mundo do BL está cheio de leitores de olho em uma boa história – é uma quase um desperdício não ler BL:
-Ultimamente, qual é a sua imagem do gênero “BL”?
É muito difícil escrever BL. Eu tenho que escrever uma história completa com o encontro do casal, sexo e romance dentro de mais ou menos 30 páginas… Eu não acho que os leitores ficariam satisfeitos sem o pacote completo. Então eu penso que muitos autores de BL devem ser muito bons em construir histórias assim toda vez. Eu encontrei tantos trabalhos que eu passei a amar dentro do BL e eu fico pensando “Por que eu demorei tanto para ler BL?”.
Mas existem pessoas que tem preconceito com BL, não tem. Um colega de trabalho mais velho no meu antigo emprego disse uma vez – “Minha amiga gosta desses livros sobre caras gays e é um pouco estranho.” Mesmo que eu estivesse pensando – “Eu escrevo um desses livros!” – eu tentei desconversar o assunto dizendo “Ah, mas eu soube que eles são bem populares. Eu conheço várias pessoas que leem isso.” Eu acho que mesmo se alguém recusa a aceitar isso, se tem pessoas ao redor dele que leem, eles não vão ficar totalmente desinteressados. Eu acho que tudo bem se as pessoas descobrirem o apelo do BL aos poucos.
Perguntas&Respostas Rápidas
Em uma frase, qual foi a sua primeira impressão sobre BL?
Eu descobri um mundo novo.
Quanto tempo leva para você completar uma página manuscrita colorida?
3 horas por dia
E uma página em preto e branco?
Uma hora.
Por favor diga quais são as ferramentas (ou software) que você usa.
ComicStudio
Qual a parte do manuscrito que mais leva tempo para ser feita?
Pintar
Qual é o seu lema?
Álcool é maravilhoso!
O que você sempre leva com você quando sai?
Eu normalmente não tenho nada comigo.
Algum cenário de BL que você considera moe?
(Um professor que não consegue olhar na cara dos pais na reunião dos pais e alunos pois está flertando com o filho deles) x (Um aluno do ensino médio que chora e implora para o professor após a aula, “Sensei, por favor se divorcie da sua esposa”)
Algum fetiche?
Semes que tem experiência como ukes.
O que você faria se tivesse um mês de férias?
Escreveria mangá.
Qual a sua obsessão mais recente?
Brincar com o meu pássaro de estimação.
Quais os BL que você recomenda?
Akiyama-kun, da Nobara Aiko
Yokosu Inu, Mekuru Yoru e Ero-man, da Psyche Delico
Shinjuku Lucky Hole, de Kumota Haruko
Maria Boy e Ore Higaisha, de Kimura Hidesato
(Desculpa por usar seus nomes sem permissão, mas eu amo esses mangás)
Por favor deixe uma mensagem para os seus leitores
Eu sei que me atrapalhei um pouco tentando responder tantas perguntas, mas muito obrigada por ler até o fim. O mundo do BL é um lugar maravilhoso, de vez em quando extremo, ou triste, ou calmante, ou cheio de lágrimas, ou cheio de risadas. Eu espero que isto deixe pelo menos uma pessoa interessada nesse mundo. – Harada
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1 Comentário
Amei, adoro a Harada, li muito durante o ensino médio