OMEGAVERSE
Antes de começar esse artigo essencial para o fandom BL/Slash contemporâneo, devo aqui fazer uma distinção e dar um aviso: não espere neste texto explicações aprofundadas sobre a história da MPREG, das animal characteristics ou da organização social borderline distópica em típicas do gênero Omegaverse. Essas nuances, em separado, possuem sua própria tradição literária e são muito mais antigas. A MPREG inclusive está presente em mitologias anteriores à era Cristã, especialmente naquelas relacionadas à cosmologia, a origem da vida ou que retratam o passado de heróis locais.
Sendo assim, vamos com a programação.
I – A Gênese Ocidental
II – A chegada à Ásia
III – A multiplicidade de padrões
IV – O futuro
A GÊNESE OCIDENTAL
Embora esteja convencionado que a origem do Omegaverse, ao menos da forma como o conhecemos atualmente, esteja relacionada de maneira direta com o fandom de Supernatural, nos fins da década de 2000 e início da de 2010, a reunião das nuances citadas provavelmente surgiu de fãs familiarizadas com as organizações sociais de grupos animais, notadamente, a das alcateias. É possível que a(o) primeira(o) escritora(or) de fanfics do gênero tenha sido um(a) assídua jogador(a) do RPG Lobisomem.
Os primeiros trabalhos a ganhar notoriedade foram as fanfictions do ship Wincest, que se propagou dentro do fandom de maneira tão rápida que em pouco tempo já representavam uma parcela significativa das obras nos sites dedicados a essa arte tão amada por nós. Até então, não havia uma relação muito clara com as animal characteristics, sendo o enredo facilmente resumido em um mundo com dois tipos de homens: um deles com uma capacidade de produção de gametas exponencial e outro que era capaz de engravidar. Os demais clichês do gênero, em especial voltados ao comportamento desses indivíduos eram pouco explorados e muitas vezes eram desvinculados das mais populares.
O boom, no entanto, está relacionado à outra série de TV: Teen Wolf. É indiscutível o poder que os lobisomens da MTV trouxeram para a cultura α, β, Ω. Foi neste fandom que as diferenças físicas e psicológicas dos personagens se consolidaram. Aqui, a até então secundária associação com as castas lupinas não eram apenas resultado da imaginação das escritoras: a própria série abordava isso de maneira canônica e essencial no plot. A quantidade de personagens masculinos não-heterossexuais também servia para tornar o caldeirão mais cheio. Nessa altura do campeonato, em torno de 2011 e 2012, a ideia do knotting, o típico cruzamento dos canídeos agora representava a principal vertente dessa nova mina de ouro do slash.
Não levou muito tempo para que após a tomada de assalto de três dos cinco* até então maiores fandom televisivos no público feminino e gay (Supernatural, Teen Wolf e Sherlock), a cultura do omegaverse chegasse aos maiores pilares da cultura geek e fanfiction: Harry Potter, a boyband britânica One Direction e os heróis da Marvel e DC. É a partir daí que podemos dizer que houve a transmissão à Àsia.
*Gossip Girl e Pretty Little Liars completavam o top5 da época.
A CHEGADA NA ÁSIA
Embora seja popularíssima no Japão e Coreia do Sul, a primeira transformação do furacão ocidental em tufão asiático foi na China. É creditado as meninas do fandom da DC e da Marvel no gigante comunista as primeiras artes e fanfics com abordagem α, β, Ω, nas histórias de Batman x Superman, JonDami (DC) e Stony e Thorki (Marvel). Similar ao que ocorria na primeira leva ocidental, nas primeiras histórias chinesas não há tanta ênfase na parte das características secundárias, sendo mais uma versão alternativa para MPREG, porém com os resquícios de casta presentes nas obras de Supernatural.
Mas foi na Coreia do Sul e Japão que o “mainstream” ocidental modificou todo um ethos: em questão de meses, dezenas de doujinshis e manwhas caseiros pipocaram nas duas nações asiáticas. O fenômeno foi intenso: nos dois lados do estreito, artes de pescoços marcados, chokers anti-feromônios e barrigas grávidas estampavam o Pixiv*. O consumo dessa “iguaria” ocidental levou a iniciativas dissociadas de grandes editoras a publicar histórias que pudessem suprir a nova demanda. É aí que surge a tacada de mestre da Poe Backs: Omegaverse Project, no fim de 2014.
*site de desenho japonês, onde também são publicados mangás online
O sucesso da publicação japonesa incentivou editoras maiores a usufruir da nova moda, algumas criando publicações voltadas exclusivamente para o tema, como a BexBoy Omegaverse, e outras em conjunto com seus títulos principais, como é o caso da Daria, onde Pendulum e Remnant são carros-chefe.
Na Coreia do Sul, as webcomics da gigante Lezhin tiveram um reforço do Omegaverse, culminando com o sucesso da obra Love is an illusion, que ficou nas posições de liderança o chart de visualizações por muitos meses.
A MULTIPLICIDADE DE PADRÕES
Uma parte apreciável da cultura omegaverse é a sua incrível diversidade de definições sobre como é a realidade. Embora o critério básico seja a reunião dos três elementos (diferença entre alfa α, beta β e ômega Ω/ MPREG /contexto social), há uma liberdade criativa para a(o) autor(a) fazer suas adaptações.
Em revistas como a OmegaverseProject ou em mangás como Kurui Naku no wa Boku no Ban há até um manual visual para explicar aos leitores como se dão as “regras” do jogo:
Como se pode ver, há uma tendência na Ásia de usar as diferenças morfológicas (em especial as genitálias) entre as classes alfa, ômega e beta. Como no ocidente, também a ideia da marcação, que é uma maneira do alpha obter a união eterna com o ômega. Com a marcação, segundo a corrente majoritária, o ômega também não será mais capaz de exalar feromônios reprodutivos.
Outro ponto interessante é a existência de outros gêneros e da reprodução convencional, coexistindo dentro do sistema ABO. Há inclusive muitos casos de mulheres ABO, provando que não se relaciona diretamente com uma exclusividade masculina. Histórias F XF / Yuri com a dinâmica omegaverse também estão por aí, em especial no fandom ocidental.
E, sem esquecer-se das discussões de gênero: em quase todas as histórias com esta temática são abordados direitos reprodutivos, desigualdade de salários e relações desarmônicas entre os personagens. Uma verdadeira didática sem prometer!
O LEGADO E O FUTURO
Se me permitem fazer uma previsão, não duvido que em dez anos linguistas e historiadores da arte se debruçarão sobre esse fenômeno literário que uniu mulheres do planeta inteiro. Pode ter certeza que se fosse um acontecimento tipicamente masculino, já haveria reportagem do Fantástico em 2014 e declarações do baixo clero político pátrio.
Um filme com temática ABO não é descartado, viu? Com a popularização de filmes baseados em fanfics e a “descoberta” dos grandes estúdios e sites de streaming do potencial lucrativo que o universo das produções eróticas femininas. Quer um exemplo disso? 10.88% de todas as fanfics do gigante ArchiveOfOurOwn (AO3) possuem a temática Omegaverse. Se fosse apenas um fandom, seria o maior do site, bem superior ao segundo, terceiro e quarto colocados, Marvel Universe, pessoas famosas e Harry Potter, que correspondem a menos de 7,5% e 5% do total .
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7 Comentários
[…] anunciado que o mangá omegaverse de Ichi Ichikawa Tadaima, Okaeri receberá uma adaptação animada. Não foi divulgado oficialmente […]
[…] Blyme Yaoi: https://blyme-yaoi.com/2018/2019/08/24/omegaverse/ […]
[…] o primeiro título BL omegaverse no […]
[…] jogo de uma nova empresa, que já chegou arriscando: um omegaverse de época, estilo tradicional japonês. A história possui apenas um casal […]
Adorei o artigo, já estava há tempos procurando a origem dessa febre! Se tivessem referências ajudaria muito.
A referência mais interessante que tenho é um processo judicial sobre plágio de histórias que teve que citar Omegaverse e suas origens: https://docs.wixstatic.com/ugd/9757a1_8b7166541a084d5ebe957b896cdc8132.pdf?fbclid=IwAR1LZVt4GrJnxLZz52dof7fJQSsZRZHpK9OgjiA-o8SeTZns9kE0b0O9sow
Amo Omegaverses